23 junho 2012

REPÚDIO AO GOLPE EM CURSO NO PARAGUAI



Imaturidade democrática e arbitrariedade política. São estas as palavras que definem o cenário político no Paraguai, com mais uma tentativa de destituir um presidente da República eleito naquele país. Ainda que o processo siga, aparentemente, o ritual constitucional paraguaio e, por este motivo, não possa ser tecnicamente qualificado como um golpe de Estado, ele constitui uma flagrante tentativa de tirar do poder um governante pelos únicos motivos de não professar as mesmas ideias e não defender os interesses de seus opositores.

País que foi arrasado pela Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai), manipulada pela Inglaterra, no século XIX e que nunca mais se equilibrou demográfica, econômica e politicamente, o Paraguai foi governado, nos últimos 58 anos por sucessivos ditadores e praticamente por um único partido, salvo curtos períodos de exercício de governos eleitos, quase sempre exercidos por integrantes deste mesmo partido.

O general Alfredo Stroessner assumiu o poder, por meio de um golpe de Estado, em 1954 e, depois de extinguir os partidos políticos existentes e permitir a existência apenas do Partido Colorado, ao qual ele mesmo pertencia, e do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), governou o país por 35 anos. O também general Andréz Rodriguez, genro de Stroessner, assume o poder em 1989, por meio de novo golpe de Estado, e governa por quatro anos. Juan Carlos Wasmosy, do Partido Colorado, se elege em 1993 e exerce todo o mandato de quatro anos, não obstante tenha sofrido uma ameaça de golpe desferida por Lino Oviedo, integrante do seu próprio partido. Raul Cubas Grau é eleito em 1998, mas governa apenas um ano, depois de seu vice-presidente ter sido assassinado e Cubas ter sido apontado, juntamente com Oviedo, como mandante do crime. O presidente do Senado, Luiz Gonzales Machi, também do Partido Colorado, assume o governo até o final do mandato. Fernando Lugo, ex-bispo, é eleito em 2008 por uma frente formada por partidos de esquerda e também pelo Partido Liberal Radical Autônomo.

A exceção na sucessão de governantes colorados e de golpes e tentativas de golpes de Estado foram os anos de governo de Fernando Lugo até aqui, ainda que ele tenha enfrentado forte resistência dos partidos conservadores e tenha sido impedido de executar seu programa de governo. A maior resistência a Lugo decorre de sua disposição, ainda que nunca levada à prática, de realizar uma política de reforma agrária no país. Desestruturado pela ação armada desencadeada pelos países vizinhos no século XIX, o Paraguai é, ainda hoje, um país eminentemente agrário, dominado por uma elite truculenta e que se opõe a qualquer tentativa de modernização nas relações econômicas e políticas.

Não é por acaso que o fato deflagrador do pedido de impeachment de Lugo tenha sido os conflitos agrários ocorridos recentemente e que resultaram na morte de agricultores sem terra e policiais. De acordo com a matéria do Sul21, publicada na quinta-feira (21) O conflito ocorreu na reintegração de posse de uma fazenda de 2 mil hectares pertencente a um líder colorado, o ruralista Blas Riquelme, localizada em Curuguaty, no sudeste do Paraguai, próximo à fronteira com o Brasil. Nesta quarta-feira (20), Lugo havia ordenado uma investigação sobre os fatos ocorridos na reintegração de posse. “O conflito ocorreu na reintegração de posse de uma fazenda de 2 mil hectares pertencente a um líder colorado, o ruralista Blas Riquelme, localizada em Curuguaty, no sudeste do Paraguai, próximo à fronteira com o Brasil. Nesta quarta-feira (20), Lugo havia ordenado uma investigação sobre os fatos ocorridos na reintegração de posse.”

Além dos motivos democráticos óbvios, até mesmo para tentar uma espécie de reparação histórica, tem todo sentido a tentativa da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) de impedir a destituição de Fernando Lugo. A nota emitida pela entidade e a presença dos chanceleres dos países membros no Paraguai, bem como a pressão dos presidentes dos países da região e do mundo poderão impedir que esta nova tentativa de golpe de Estado no Paraguai, agora travestida de uma ação constitucionalmente prevista, tenha sucesso. É preciso que a pressão das forças democráticas do continente se exerça com toda a força, dentro dos limites aceitos pela legislação internacional, para impedir mais este ato de força no país vizinho.


Extraído do sítio Sul21

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