04 junho 2012

MENTIRAS QUE TENTAM SE TORNAR VERDADES SOBRE 64 - Juremir Machado da Silva


Não, o povo não pediu para os militares darem um golpe em 1964.

Não o povo como totalidade, como maioria, como voz em uníssono.

Segundo pesquisa do IBOPE Jango tinha 76% de apoio antes do golpe.

As Marchas da Família com Deus pela Liberdade foram organizadas pelos Estados Unidos como se pode ver por esta mensagem enviada da Embaixada americana aos superiores ansiosos por medidas contra Goulart: “Estamos adotando medidas para favorecer a resistência a Goulart. Ações secretas estão em curso para organizar passeatas a fim de criar um sentimento anticomunista no Congresso, nas Forças Armadas, na imprensa e nos grupos católicos”.

Vale repetir, pois alguns fazem questão de não ler esta parte constrangedora e obscena, que tudo começou, ainda em 1962, com esta mensagem edificante de Lincoln Gordon: “Goulart está fomentando um perigoso movimento de esquerda, estimulando o nacionalismo. Duas companhias americanas, a ITT e a Amforp, foram recentemente desapropriadas pelo governador Leonel Brizola. Tais ações representam uma ameaça aos interesses econômicos dos Estados Unidos”.

Não, não é verdade que os dois lados tenham de ser investigados ou punidos em pé de igualdade.

Trata-se de um sofisma, de uma falácia, de uma estratégia diversionista, de uma manobra ardilosa.

Um lado, o que resistiu à ditadura, já foi bastante punido, o outro não.

Aqueles que cometeram execuções sumárias de agentes da ditadura foram, quase sempre, executados pela repressão.

Mas quem foi julgado e punido pela tortura que sofreu a jovem Dilma?

Muitos desses resistentes queriam outra ditadura?

Certamente. Mas, na prática, eles lutaram contra uma ditadura instalada.

Todo o resto é especulação.

Teriam as guerrilhas prosperado sem o golpe?

Elas prosperaram como reação ao golpe.

Buscam-se indícios, sinais, marcas esquálidas antes do golpe para justificar o injustificável.

A cronologia dos fatos é implacável.

O auge das guerrilhas, por exemplo, aconteceu depois do AI-5 imposto em 1968.

Devem ser raros os casos de resistentes à ditadura que não foram presos, julgados, torturados, mortos ou exilados.

Nenhum torturador foi julgado ou punido.

O governo Jango não tinha comprometimento com qualquer projeto de ditadura.

Estava fazendo reformas altamente democratizadoras.

Não, os militares não deram o golpe para proteger a democracia.

Implantaram um ditadura horrenda para favorecer os interesses americanos.

Não, o estudo da História não dá razão aos delírios de justificação da derrubada de um governo legítimo.

Em 1964 não havia guerrilha instalada no país.

Em 1962, como qualquer historiador sabe, um campo de treinamento militar das Ligas Camponesas foi desmantelado em Dianópolis, Goiás. João Goulart mostrou-se indignado, não manifestou qualquer simpatia ou apoio, botou cal em cima.

Em 1964, como Moniz Bandeira mostra, as Ligas Camponesas não tinham o menor poder militar.

A guerrilha disseminou-se, depois de implantada a ditadura, contra o terrorismo praticado pelo Estado, que torturou e matou desde os primeiros dias do golpe como se pode ver nos relatos sobre a Operação Limpeza.

Os militares de hoje, integrantes de uma instituição moderna e democrática, não precisam justificar os erros do passado.

Não devem se deixar manipular pelos lacerdões de hoje. Fica feio ser inocente útil – categoria muito utilizada pela espionagem da ditadura – nas mãos de ultraconservadores em defesa do inominável, do inaceitável, do horror estatal.

As Forças Armadas brasileiras estão acima das opções feitas por seus chefes em 1964.

O golpe foi dado, instigado pelos Estados Unidos, contra as reformas de João Goulart, especialmente a reforma agrária.

Foi dado contra as encampações feitas por Brizola das companhias americanas de eletricidade e telefone, que continuavam a amargurar os Estados Unidos e a exigir providências de qualquer natureza, mesmo um golpe de Estado.

O perigo comunista foi um artifício usada para justificar a medida de força arbitrária.

O golpe foi preparado ao longo de dois anos por instituições como IPES e IBAD financiadas pelos EUA.

A população foi manipulada pela mídia conservadora e golpista.

As eleições foram deturpadas com um derrame de dinheiro americano para favorecer candidaturas contra o governo.

Nossos militares, por excesso de anticomunismo, hiperdimensionaram as ameças existentes e, por conservadorismo extremo e até alguma ingenuidade, deixaram-se manobrar abertamente .pelos interesses dos Estados Unidos.

Foram usados pelos latifundiários e empresários brasileiros e atiçados pela imprensa reacionária.

Depois, no poder, botaram de vez as mangas de fora e, pressionados pela linha dura, foram ao fundo do poço.

Qualquer ditadura é execrável.

O Estado Novo foi uma ditadura tão hedionda e condenável quanto a ditadura de 1964.

A revolução de 1930, porém, foi legítima, feita contra a fraude eleitoral.

Torturadores, enfim, não foram punidos.

Andam soltos por aí, aparecem na televisão, consideram-se acima do bem e do mal.

Ainda é tempo de colocá-los na cadeia como estão fazendo todos os países democráticos que viveram a tragédida da ditadura.

A tortura praticada pelo Estado jamais encontra justificativa.

Ela é imprescritível como crime contra a humanidade.

Só o olhar contaminado pelo ideologismo, como negação da verdade, pode sustentar o oposto.

A situação atual é clara: busca-se desesperadamente uma maneira de evitar qualquer punição a torturadores.

Prova de que a democracia brasileira ainda corre perigo.

A tentação autoritária ainda não passou totalmente.

Não, a ditadura não salvou o Brasil da corrupção.

A corrupção correu solta durante o regime militar, alcançando o ápice em 1973.

A História é uma caixona de surpresas.

Para aqueles que acham que a esquerda não foi julgada e devidamente punida, aqui vai um quadro interessante apresentado por Carlos Fico a partir dos dados recolhidos por ele nos processos analisados por crimes contra a segurança nacional , apenas entre 1970 e 1973, pelo Supremo Tribunal Militar.

Crime: Denunciados / Absolvidos / Condenados

Organizar entidade subversiva: 211 / 142 / 69

Assaltar banco: 209 / 36 / 173

Integrar entidade subversiva: 178 / 80 / 98

Assalto, sequestro, terrorismo: 130 / 55 / 75

Propaganda subversiva: 114 / 72 / 42

Usar armas das Forças Armadas: 60 / 48 / 12

Organização militar ilegal: 32 / 23 / 9

Provocar guerra revolucionária: 30 / 6 / 24

Incitar subversão: 23 / 23 / 0

Violência contra autoridade: 20 / 8 / 12

Ofender autoridade: 20 / 19 / 1

Propagar notícia falsa: 19 / 14 / 5

Implantar ditadura: 17 / 17 / 0

Insurreição armada: 14 / 13 / 1

Apologia de crime: 9 / 6 / 3

Perturbar reuniões oficiais: 5 / 4 / 1

Ofender presidente da República: 4 / 4 / 0

Falsificar prova: 2 / 0 / 2

Ofender presidente estrangeiro: 2  / 2 / 0

Fuga de presos:  2 / 1 / 1

Ultrajar a bandeira nacional: 1 / 1 / 0

Total: 1.102 / 514 / 528

Crimes contra a Segurança Nacional em 1974

Réus julgados: 234

Aguardando julgamento: 359

Absolvidos: 149

Condenados: 47

Sabe-se o que passaram nas prisões os condenados.

Muitos não foram processados.

Foram mortos.

Militares e guerrilheiros morreram.

Mas só um lado foi julgado.

Ernesto Geisel admitiu que o regime havia considerado necessário torturar.

Quantos torturadores foram punidos?

Não, a ditadura brasileira não foi leve nem branda.

Não, a suposição de uma ditadura não justifica a imposição de uma ditadura.

O Brasil era uma democracia e podia ter continuado a sê-lo.

Os golpistas que assaltaram o Estado não deixaram.

Extraído do sítio Correio do Povo

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