12 abril 2012

"GOLPE MIDIÁTICO" NA VENEZUELA INSPIROU LEVANTES NA AMÉRICA LATINA, DIZ JORNALISTA

Para fundador da Telesur, imprensa atuou para derrubar governos em Honduras, Bolívia e Equador

“Foi um golpe midiático com aroma de hambúrguer, presunto ibérico e, sobretudo, petróleo”, ironiza Aharonian.


O golpe de Estado fracassado na Venezuela contra o governo de Hugo Chávez, que nesta quarta-feira (11/04) completou dez anos, teve duas grandes particularidades: a sua cura duração, já que, diante da reação popular, não conseguiu se sustentar por dois dias; e a participação protagonista dos grandes grupos de mídia na organização do movimento– assumindo um papel mais relevante do que as Forças Armadas ou a burguesia opositora. Por essa razão, o episódio acabou ficando conhecido, não só pelo governo, mas por diversos setores da sociedade venezuelana não-alinhados a Hugo Chávez, como um “golpe midiático”.

Para o jornalista uruguaio Aram Aharonian, este golpe comandado pela mídia, e não mais pelos militares, também serviu de tubo de ensaio para outros três movimentos golpistas contra regimes de caráter progressista na América Latina: a tensão durante o referendo revogatório na Bolívia em 2008; a revolta policial no Equador em 2010; e em Honduras, em 2009 – esse o único a obter sucesso com a deposição do então presidente Manuel Zelaya.

Atualmente diretor da revista Questión e diretor do Laboratório Latino-Americano em Comunicação e Democracia, Aharonian foi um dos fundadores da multiestatal latino-americana Telesur, sediada em Caracas, e é especialista na conturbada relação entre o governo Chávez e as redes de TV e jornais opositoras. “Não se compreende que a Venezuela passa por uma guerra cultural, uma batalha de ideias. Primeiro temos que liberar nossos cérebros para romper velhos paradigmas liberais, deixar de copiar formatos e conteúdos” dos modelos tradicionais, afirma.

Apesar de destacar o maior equilíbrio existente hoje entre as redes de TV, rádios e jornais progressistas e conservadoras, Aharonian destaca que isso não é garantia para uma maior democratização da informação. “A existência de mais meios oficiais não garante que as mensagens cheguem à cidadania. De nada adiantará se não tivermos de fato conteúdos novos, com qualidade informativa e estética, ou se só falarmos para um grupo ignorando a realidade”.

Aharonian alerta, contudo, que não se pode classificar o golpe contra Chávez apenas como midiático: “A imprensa comercial incentivou a violência e o ódio, além de operar como um cartel. Mas ao seu lado participaram ativamente oficiais das Forças Armadas; da Polícia; grupos paramilitares armados até mesmo com fuzis e lança-granadas; membros da Igreja Católica, em especial da seita Opus Dei; e empresários (em especial a Fedecámaras, maior associação empresarial do país)”.

O jornalista também citou como integrantes do movimento golpista um grupo organizado na iniciativa privada, pertencentes a bancos, empresas, principalmente a PDVSA, e ONGs de fachada, além do apoio não-declarado dos Estados Unidos e da Espanha, na época governados por George W. Bush e José Maria Aznar, através de seus embaixadores, Charles Shapiro e Manuel Viturro, respectivamente. “Foi um golpe midiático com aroma de hambúrguer, presunto ibérico e, sobretudo, petróleo”, ironizou.

A questão do interesse estratégico do petróleo, segundo o jornalista, também influiu no golpe. Na época, a PDVSA, através de sua diretoria, realizava uma série de sabotagens e greves – o que continuou a fazer depois do golpe, no segundo semestre do ano, paralisando todo o setor petroleiro e comprometendo a autonomia energética do país.

“Para interesses corporativos transnacionais, principalmente norte-americanos e espanhóis, era imprescindível que a Constituição Bolivariana fosse revogada. Assim, a PDVSA e sua filial norte-americana, a Citgo, poderiam ser privatizadas. Além de um golpe midiático, foi também mais um episódio da disputa por comandar as principais reservas petrolíferas mundiais, como no Iraque e na Líbia”, afirmou.

Sociedade dividida

Não houve dúvidas, para ele, que o episódio evidenciou as divisões já existentes na sociedade venezuelana. “Foi uma tentativa da burguesia de reverter uma situação que havia escapado de seu controle. Com o objetivo de restaurar o status quo anterior a 2000. As divisões ainda existem em um país que, uma década depois da Revolução Bolivariana, segue sem poder conseguir solucionar sua maldição econômica (dependência do petróleo) e mentalidade rentista”. O jornalista destacou, no entanto, o aumento do poder de consumo e a melhoria da qualidade de vida da população. 

Perguntado se os grupos de mídia locais teriam condições de realizar novamente uma operação semelhante no país, Aharonian afirma que, atualmente, as Forças Armadas apoiam integralmente o processo bolivariano. “Também a maior parte da oposição prefere hoje transitar por caminhos democráticos. Ela parece encaminhada a disputar as eleições com candidato único, o que não garante unidade. Claro, há sempre aqueles que são encorajados por financiamentos ou manipulações externas, que propagam que Chávez ou os chavistas dêem deixar o poder não importa por qual meio. Algo semelhante ao que ocorre com a dissidência cubana em Miami”, disse.

Entretanto, assim como em 2002, resistência popular seria um fator preponderante para o fracasso de um eventual golpe. “Uma das principais conquistas da Revolução Bolivariana foi converter os venezuelanos em atores políticos – e não apenas objetos da mesma. Pela primeira vez, a maioria do povo venezuelano sentiu-se incluída, cidadã em seu próprio país, percebeu que tinha direitos e uma Constituição que os abrigava, a qual deveriam defender”, disse.

Para Aharonian, o povo passou a participar da solução dos problemas da comunidade. “Foram os setores populares que saíram nas ruas com a “bicha” (versão em miniatura da Constituição) na mão para reclamar o retorno do presidente. Enquanto muitos funcionários militares e dirigentes bolivarianos optaram pela covardia e a mudez”, protestou.


Extraído do sítio Opera Mundi

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