Se alguém ainda tinha dúvida de que a mídia não queria investigação do Congresso sobre as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o PSDB e o DEM de Goiás e de que, sendo a investigação inevitável, trataria de distorcê-la, após assistir ao programa do Jô Soares que o blog graciosamente reproduz abaixo, terá tal dúvida sepultada.
Mais do que isso, por intragável que seja enfrentar aquela quase uma hora de mau-caratismo, há que prestar atenção no programa porque deixa ver, de cima a baixo, a forma como a mídia cobrirá as investigações da CPMI.
Apesar das aparências de socialites fúteis e desocupadas que têm as “meninas” demo-tucanas desse apresentador-humorista-escritor que se notabilizou pelo seu partidarismo político e pelo uso escandaloso de uma concessão pública de televisão com fins político-partidários, tratam-se de jornalistas tarimbadas que já passaram pelas mais importantes redações do país.
No programa de quarta-feira, 18 de abril de 2012, estiveram, além do próprio Jô Soares, Ana Maria Tahan, Cristiana Lobo, Cristina Serra e Lillian Witte Fibe. Lucia Hippolito, que integrava a formação original do quadro político, segundo o apresentador ela não participou do programa por “Estar na França”.
Jô começa o “debate” ironizando declaração da Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, em recente cerimônia no Itamaraty na qual elogiou a administração da presidente Dilma Rousseff por haver estabelecido um “novo padrão” de combate à corrupção.
Contradizendo a norte-americana, o apresentador passa a bola para Cristiana Lobo perguntando se o governo daquela que Hillary elogiou estaria “atrasando a CPI”, apesar de esta ter sido criada em tempo considerado recorde.
A resposta de Cristiana Lobo começa com ela dizendo que “A notícia do dia” 18 de abril teria sido a de que o governo quereria “controlar a CPI”, o que combina muito pouco com a declaração da secretária de Estado dos EUA que elogiou a transparência desse mesmo governo.
Em seguida, a jornalista faz uma afirmação que mostra como a mídia não hesitará em criar as teses mais absurdas para tentar induzir a sociedade a julgar que os autores da investigação é que serão os réus: diz que “O PMDB quer investigar mais o PT, o PT queria mais investigar o PSDB, o Marconi Perillo, o PSDB quer dizer eu não tenho nada com isso, eu apoio a CPI”.
Apesar de o PMDB ser aliado do PT, tendo a vice-presidência da República, segundo essa “analista” quer investigar mais o aliado do que os opositores do PSDB, do DEM, do PPS e do PSOL. Para um público que nada entende de política e que não sabe quem é aliado de quem, provavelmente ignorando até o nome do vice-presidente da República, os malvados que querem investigar os adversários por razões políticas são PMDB e PT, enquanto que o PSDB “não tem nada com isso”.
Não poderia faltar, na boca de alguém como Cristiana, a boa e velha teoria de que “Pro governo nunca é bom uma CPI porque o PMDB vai lá e cobra mais caro”, ou seja, governo e partido que o sustenta tornam-se duas pontas de uma relação espúria de compra e venda de benesses.
Nada que ver, de novo, com a transparência do governo constatada por Hillary. Não foi à toa que o apresentador não perdeu a deixa e pediu esclarecimento da teoria de que o aliado do governo iria lhe “cobrar mais caro”, ao que é informado de que a CPI terá poder para convocar ministros e, para não vê-los convocados, a presidente subornaria o aliado.
Ao fim, Cristiana reconheceu que o governo “não tem muito o que temer, até agora”, mas asseverou que “tem muito cargo, tem muita obra”, mas como a investigação teria começado como uma CPI do Cachoeira e mudado de foco, agora quem deveria se preocupar seriam o governo, o PT e seus aliados.
Agora a inquirida pelo apresentador é Cristina Serra (que não tem relação alguma de parentesco com o ex-governador paulista, por mais tentadora que seja a ilação). A ela, coube discorrer, no âmbito de uma discussão sobre a CPI do Cachoeira, sobre como, antigamente, “Bastava dizer ele é do PT” para o contemplado receber um “aval de integridade” e sobre como “hoje em dia não é mais assim”.
Eis que, evidentemente treinada, Serra (perdão, não resisti) atribuiu a desmoralização do PT ao… Mensalão. O partido é citado como tendo sido descoberto como “mais tolerante ou menos tolerante com a corrupção” de acordo com suas correntes internas, ou seja, mais ou menos “tolerante”, o partido toleraria a corrupção em várias intensidades.
O que havia de intolerante com a corrupção no PT, segundo Serra (Cristina fez por merecer), saiu e formou o PSOL. Os que ficaram, seriam todos tolerantes. Não é à toa que vemos tantos psolistas dizendo, nas redes sociais, que a mídia não é tão má assim, chegando a fazer dobradinhas com um poder reacionário como o da Globo, autora intelectual da ditadura militar.
De resto, Cristina Serra reduziu o objetivo da CPMI a mero “acerto de contas”, a mera “vingança” de um adversário contra o outro. O programa tentou induzir o público à crença de que não existiriam motivos outros para a investigação. A intenção, claríssima, é a de desestimular as pessoas a acompanhar o processo, ficando apenas com as manchetes que já se pode prever que passarão mensagens de fácil assimilação pelo público idiotizado.
À ex-comentarista de economia Lillian Witte Fibe coube a pergunta sobre como a investigação prejudicará a economia, já para que o telespectador considere que irá prejudicá-lo pessoalmente. Brota a onomatopeia de um sorriso irônico que poderia ter encerrado o assunto e induzido à crença de que a CPMI será economicamente ruim para o país.
Socorro!
Mas a explicação verbalizada é ainda pior. A CPI, segundo alguém que de boba não tem nada, seria responsável pela “roubalheira do dinheiro público”. Ou seja: a CPI não é para combater a roubalheira, mas para gerá-la. Acredite quem quiser.
Em seguida, uma platitude apresentada como grande proposta: abolir o uso da expressão “desvio de dinheiro público”, substituindo “desvio” por “roubo”. Sobrevêm os aplausos dos fantoches da platéia, do apresentador e de suas “meninas” diante de uma Lillian satisfeita com a própria frase de efeito.
Finalmente, Lula entra na dança – estava demorando. É acusado de ter incentivado a CPI do Cachoeira sem Dilma saber, aproveitando a ida dela aos Estados Unidos. O ex-presidente teria feito reuniões com ministros e secretários de Dilma sem ela saber e eles não a avisaram por achar que “não seria necessário”.
A presidente é apresentada como uma governante fraca que se deixa atropelar pelo antecessor, que dá ordens aos seus ministros. Dilma teria se “rendido” a uma mera estratégia de Lula e de José Dirceu para “desviar atenções do julgamento do mensalão”. Lillian diz que os dois teriam sido “ingênuos” ao acreditarem que poderiam fazê-lo.
Foi a deixa para Ana Maria Tahan começar a tagarelar sobre o mensalão, ou seja, a discussão sobre a CPI roda, roda e volta sempre para o tema “corrupção no PT”. Até aqui, nem sombra daquilo em que consiste o foco principal de uma investigação chamada de CPI do Cachoeira e que era o assunto em pauta.
Ana Maria começa repisando a notícia amplamente divulgada de que o STF não irá interromper o julgamento nem que coexista com o processo eleitoral deste ano. Jô a interrompe com a proibição legal para que jornalistas opinem sobre política durante o processo eleitoral, deixando o espectador sem entender o que tem o mensalão que ver com isso.
O assunto volta para Cachoeira, para a ligação entre a CPMI e o mensalão, remetendo ao episódio Waldomiro Diniz, desencadeado pelo bicheiro goiano. Os debatedores atropelam um ao outro, falando todos ao mesmo tempo, sedentos de continuarem mantendo o foco nos adversários políticos da família Marinho.
Ana Maria volta a falar. Sua tese é a de que, apesar de o governo ter maioria na CPI, não poderá impedir que seu foco seja contrário ao governo, do que se pode depreender que a estratégia será a de a oposição apresentar denúncias e a imprensa repercuti-las maciçamente e, assim, pautar a investigação.
Por 64 segundos, quando o programa já se aproximava da primeira meia hora, Cristiana Lobo interrompe os colegas de bancada e toca no nome de Demóstenes Torres, porém sem falar em oposição, DEM ou PSDB, sendo imediatamente cortada por Jô, que põe na roda o promissor tema “Dadá”, ou seja, o sargento Idalberto Matias de Araújo, preso na Operação Monte Carlo.
O foco volta a Demóstenes por mais 45 segundos, com o programa já se aproximando de 40 minutos. É apresentado trecho de entrevista do senador goiano em que pregava moralidade na política. Apresentador e convidadas fazem algumas gracinhas sem citar o DEM uma só vez e matam o assunto.
Assunto envolvendo a oposição, porém sem mencioná-la, até agora soma 119 segundos, quase dois minutos inteiros, contra cerca de 2.400 segundos de malhação do PT, do governo Dilma e de seus aliados.
Entra o intervalo. Quando o programa retorna, o assunto proposto pelo apresentador é uma “Comissão de Ética” que ao público não diz nada. Em vez de dizer para que servirá, no âmbito do assunto Cachoeira, constitui-se em mera desculpa para continuarem malhando o mesmo lado.
O apresentador e convidadas ironizam nomes dos integrantes da Comissão que julgará Demóstenes, tais como Renan Calheiros e Romero Jucá, insinuando que são corruptos e que, portanto, seria um contrassenso integrarem aquela Comissão.
Mais algumas gracinhas e Jô continua malhando o governo, agora dizendo que não entende que sejam nomeados ministros que não entendem do assunto da pasta que dirigem. O governo já está exangue de tanto apanhar e continua apanhando.
Cristiana Lobo ajuda a bater falando que a CPI enfraquecerá o governo. De novo.
Ana Maria Tahan se apressa em dar a sua contribuição para malhar o governo como se o assunto estivesse começando agora. Passa a discorrer sobre as alianças do governo dizendo que deveriam ser feitas em torno de um projeto, mas se dão através da distribuição de cargos. A CPI do Cachoeira, até agora, apesar de ser o tema do programa praticamente não foi abordada.
Mais gracinhas e o assunto, agora, muda do governo para o governo. Jô insere o caso das lanchas envolvendo a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, e o ministério da Pesca. Mais uma vez as “meninas” se esbaldam com a pergunta do apresentador sobre “Em que águas navegam” as embarcações. E cabe a Cristiana Lobo resumir o caso: “falcatrua”.
E o governo continua apanhando.
Lillian Witte Fibe rompe a carapaça de silêncio na qual fora encerrada pela verborragia do apresentador, de Ana Maria Tahan e de Cristiana Lobo para decretar que “O que vai ferver, agora, é uma tal de construtora Delta”.
Enquanto as “meninas” falam uma em cima da outra, sobressai intervenção de Serra (a Cristina, não o José):
– Essa CPI que ia nascer pra investigar Demóstenes e Cachoeira, na verdade o foco, agora, é Delta (…)
Aí se produz talvez a cena mais nonsense que já vi:
Lillian Witte Fibe — Eu não quero prejulgar ninguém, mas eu tô assustada com o que eu tô vendo…
Jô Soares – Antes de mais nada muito bem, porque a gente tem o hábito de prejulgar antes até do julgamento…
Lillian – Eu resisto demais a isso… Mesmo os réus do mensalão. São 38 réus. Gente, se tiver um inocente, ali, foi destruída a vida desse cara. Não sei se tem, mas eu não falo, antes, que ele… O condenado é bandido antes de ser condenado. Agora, eu tô assustada com o que eu tô lendo sobre a Delta. Eu tô assustada…
Jô – Mas, ó, parabéns pela postura de não condenar antes do fato acontecer (…)
A platéia aplaude, entusiasmada com a alegada repulsa da jornalista a julgamentos precipitados… A expressão da jornalista, diante da afirmação do apresentador de que ela não “condena antes”, merece ser vista (abaixo).
Cristiana Lobo “muda” de assunto. Agora é Lula. Diz que por ele estar com José Sarney no hospital paulistano Sírio Libanês, é lá que fica, agora, o “principal escritório político do Brasil”. De novo, a tese do “bumerangue”. Elas diz que quando o ex-presidente “estimulou a CPI, não tinha a Delta, ainda”. E que, agora, eles estão lá “pedindo moderação, sobriedade”.
Detalhe: não se sabe de onde saiu isso, mas foi dito como fato inquestionável.
A partir daí, até o fim do bloco o tribunal de exceção passa a debochar da aparência física dos desafetos políticos do patrão. Nada que valha a pena reproduzir. Só vale registrar que essa besteira durou umas dez vezes mais do que os 119 segundos gastos, até então, para citar Demóstenes Torres sem citar suas vinculações políticas.
Depois dessa chega. O resto do programa perdeu o foco e foi gasto com masturbação ideológica sobre política internacional e suas relações com a que é feita no Brasil e as platitudes de sempre sobre combate a corrupção. Ainda ressuscitaram o mensalão mais algumas vezes, mais algumas ironias sobre o governo e ficou nisso.
O uso político do programa contra PT, governo Dilma e aliados e acobertando a oposição, é claro. De acordo com a legislação brasileira, foi um uso ilegal como tantos outros que são feitos diuturnamente sobretudo pela Globo em concessões públicas de rádio e tevê. Constitui-se em uma espécie de demonstração de força: “Usamos mesmo a concessão em nosso favor e vocês não poderão fazer nada”.
Os que se beneficiam disso, hoje, ficam sorrindo de orelha a orelha. Esquecem-se de que muitos dos que já foram favorecidos pela manipulação midiática e pela usurpação de espaços públicos de comunicação por grupos privados, atualmente são alvo dessa manipulação. Desconhecem que só quem ganha sempre com isso são os concessionários de meios eletrônicos.
De qualquer forma, a postagem consegue antecipar o que irá prevalecer na mídia durante a CPMI que terá início na semana que vem. A menos, é claro, que os “ingênuos” Lula, José Dirceu, Dilma, PT e aliados saibam de alguma coisa que as meninas do Jô, o próprio, os patrões deles e os políticos seus amigos não sabem…
Abaixo, a íntegra do programa dividido em quatro vídeos:
Extraído do Blog da Cidadania
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