30 novembro 2011

O FUTURO DO PARÁ NAS URNAS - Márcio Zonta

Há menos de um mês do plebiscito que pode definir a divisão do estado do Pará em três – Tapajós, Carajás e Novo Pará –, a primeira pesquisa encomendada ao Datafolha pela TV Tapajós (Santarém), TV Liberal (Belém) e o jornal Folha de S. Paulo revela que a decisão do próximo dia 11 de dezembro tenderia pela não separação do estado paraense.

Carreata favorável à criação de Carajás e Tapajós provoca manifestantes contrários à divisão do Pará - Foto: Antonio Cicero/Folhapress
Há menos de um mês do plebiscito que pode definir a divisão do estado do Pará em três – Tapajós, Carajás e Novo Pará –, a primeira pesquisa encomendada ao Datafolha pela TV Tapajós (Santarém), TV Liberal (Belém) e o jornal Folha de S. Paulo revela que a decisão do próximo dia 11 de dezembro tenderia pela não separação do estado paraense.

Dos 880 eleitores ouvidos em 42 municípios paraenses, entre os dias 7 e 10 de novembro, 58% se manifestaram contra a criação do Estado do Tapajós,– resultando, pela margem de erro, entre 55 e 61%; 33% são favoráveis a divisão – pela margem de erro, somando entre 30 e 36%; e 10% não sabem ou não responderam.

Segundo a pesquisa, os eleitores que votariam contra o novo estado somam 58% – entre 55 e 61%, pela margem de erro; votariam a favor 33% – pela margem de erro, 30 e 36%; e 8% não sabem ou não responderam.

Conforme definiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os 4.839.384 eleitores paraenses terão de marcar em uma cédula na cor amarela se são a favor ou contra a divisão do Estado para a criação do estado de Tapajós. Em outra cédula, de cor branca, a escolha será pela divisão ou não do Pará para a criação do estado do Carajás.

Gigante

O Pará é o segundo maior estado do Brasil em superfície, com uma área correspondente a 1.247.689 km2. Ocupa mais de 16% do território nacional, sendo duas vezes maior que o território da França. Ainda, no estado paraense se localiza o maior município do mundo, Altamira, com sua área de 159.696 km2. Caso a pesquisa realizada pelo Datafolha não confirme a composição do estado paraense delimitaria 17% do montante da área do estado ao Pará; Carajás, localizada na região sul ficaria com 35 %; e Tapajós, no oeste do estado ficaria com 58%.

Assim, o provável estado de Carajás seria composto por 39 municípios, tendo Marabá como capital, com uma população estimada em 1,6 milhões de habitantes. O Estado de Tapajós fi caria com 27 cidades, sendo Santarém sua capital, com uma população de cerca de 1,2 milhão de habitantes.

Já o Pará, seria composto por 78 municípios, com população de 4,6 milhões de habitantes, permanecendo Belém como capital. Segundo estudos feitos pelas frentes pró-divisão, o Novo Pará ficaria com quase 56% do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, Carajás com 33% das riquezas e Tapajós com 11% do que é atualmente produzido.

Porém, a divisão deixaria, segundo argumentação do grupo que articula campanha contra a divisão do estado, o novo Pará sem 87% dos rios e florestas e 85% das riquezas minerais.

Mineração

Para Raimundo Gomes, presidente do Centro de Educação Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), a divisão do Pará não resolveria os principais problemas da população.

“Está claro que é uma disputa de recursos da região entre a classe burguesa, sobretudo, pela mineração”.

Onde o estado de Carajás abocanharia 29 municípios com atividade de mineração desenvolvida pela mineradora Vale, entre eles, estaria Parauapebas, cidade detentora da maior mina de ferro do mundo, cujo crescimento econômico é equiparado ao crescimento chinês.

Parauapebas cresceu, em média, 20% ao ano, nos últimos dez anos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, a cidade é a segunda maior exportadora do país em 2011. Com US$ 8,7 bilhões alcançados com minerais.

Gomes reclama: “é um verdadeiro saque sobre nosso minério”, já que as contrapartidas da empresa na região não condizem com seus ganhos. Frederico Drummond Martins, Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), faz coro com as palavras de Gomes, “hoje R$ 20 milhões ao mês são pagos à prefeitura de Parauapebas pela atividade de mineração, frente um faturamento diário de 50 milhões de dólares bruto”.

O economista Josemir Gonçalves Nascimento, secretário executivo da Associação dos Municípios do Araguaia, Tocantins e Carajás (Anamat) alerta: “A influência da Vale sobre o novo estado será enorme. Só o lucro da companhia em 2010 foi de R$ 30 bilhões, corresponde a mais de dez vezes o valor das receitas previstas para Carajás, que são de R$ 2,9 bilhões”.

O mais violento

Se criado, o Estado de Carajás, já nasceria como o mais violento do Brasil, com o maior índice de homicídio da taxa nacional.

Segundo dados do Mapa da Violência do Ministério da Justiça, referentes a 2008, a taxa de homicídios dolosos de Carajás seria de 68,1 assassinatos por ano para um grupo de 100 mil habitantes.

Índice superior ao registrado no mesmo ano em Alagoas (66 homicídios por 100 mil habitantes) até então estado mais violento do Brasil. Os índices de violência de Carajás deixam, ainda, para trás, o Estado do Rio de Janeiro (33 por 100 mil) e revelam a região como sendo seis vezes mais violenta do que São Paulo (11/100 mil).

Os homicídios, na região que delimitaria o novo estado, também superariam o país mais violento do mundo, Honduras, com 58 assassinatos para 100 mil habitante em 2008.

Das dez cidades mais violentas do Brasil, três estariam no novo Estado de Carajás, Itupiranga,que lidera o ranking nacional, além de Marabá, na quarta posição, inclusive considerada pelo Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) como a cidade mais perigosa do Brasil para jovens entre 19 e 29 anos viverem. Goianésia do Pará viria na sexta posição.

Ainda, Rondon do Pará, Tucuruí, Novo Repartimento, Eldorado dos Carajás, Pacajá, Jacundá, Nova Ipixuna e Parauapebas superariam Honduras nas taxas de homicídios dolosos, segundo o Ministério da Justiça.


Extraído do sítio Brasil de Fato

Ler: Divisão do Pará pode criar três estados deficitários, diz pesquisa do IPEA

COMEÇAM AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES NO EGITO PÓS MUBARAK

Os colégios eleitorais no Egito abriram nesta segunda-feira às 8h locais (4h de Brasília) nas históricas eleições legislativas, realizadas pela primeira vez em mais de 30 anos, à revelia do ex-líder Hosni Mubarak, derrubado em fevereiro.


Segundo a Agência Efe constatou, longas filas se formavam nas entradas dos colégios eleitorais do Cairo, em contraste com a baixa participação de eleitores nos pleitos das últimas décadas.

Mais de 17 milhões de pessoas estão habilitadas para votar em nove províncias do Egito, entre elas Cairo e Alexandria, na primeira das três fases em que está dividido o processo eleitoral, que se prolongará até março.

Centenas de pessoas aguardam sua vez de votar no Cairo, num ambiente pacífico, em meio a uma grande mobilização das forças de segurança, além de unidades militares.

Os juízes encarregados de supervisionar o pleito chegaram aos colégios e às sedes dos comitês eleitorais uma hora antes da abertura das urnas e receberam a documentação necessária e as cédulas de votação, informa a agência de notícias oficial "Mena".

Ao todo, 9,5 mil juízes se ocuparão de garantir a supervisão judicial das eleições em todo o país.

A Efe constatou que a legenda favorita para vencer o pleito, o Partido Liberdade e Justiça (PLJ) - braço político do grupo islâmico Irmandade Muçulmana -, distribui panfletos de propaganda eleitoral em frente a vários colégios no centro do Cairo e até instalou postos de informação com folhetos do partido.

Em um colégio da rua Nubar, muito perto do Ministério do Interior - onde na semana passada houve confrontos entre policiais e manifestantes -, os eleitores reconheciam sua preferência política pela Irmandade Muçulmana.

Para muitos, como Tayyip Ahmed, de 63 anos, esta era a primeira vez que comparecia às urnas. "Hoje os egípcios precisam ir votar. Se o povo não participar das eleições, não haverá organização nem teremos governantes", disse à Efe.

Funcionário de uma escola, Ahmed confirmou que votará no PLJ. "O povo confia na Irmandade Muçulmana e quer ser governado por alguém que diga a verdade". 

Extraído do UOL Notícias


CERCA DE 25% DOS SOLOS DO PLANETA ESTÃO DEGRADADOS, REVELA RELATÓRIO DA FAO

Cerca de 25% dos solos do planeta estão degradados, revela relatório da FAO.


A degradação generalizada e o aprofundamento da escassez dos recursos do solo e da água colocaram em risco vários sistemas essenciais de produção alimentar no mundo, aponta um novo relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), publicado hoje (28/11). O relatório fornece, pela primeira vez, uma avaliação global do estado dos recursos dos solos do planeta: 25% estão degradados. Segundo o documento, a degradação e a escassez dos solos e da água impõem um novo desafio à tarefa de alimentar uma população mundial que deve chegar a 9 milhões de pessoas em 2050.

O Estado dos Recursos Solo e Água no Mundo para a Alimentação e Agricultura (SOLAW) observa que, embora os últimos 50 anos tenham testemunhado um notável aumento na produção alimentar, “em muitos locais, as conquistas têm sido associadas a práticas de gestão que têm degradado os sistemas solo e água, sobre os quais a produção alimentar depende “.

Ainda segundo o estudo, 8% dos solos estão moderadamente degradados, 36% estão estáveis ou levemente degradados e 10% estão classificados como “em recuperação”. O resto da superfície terrestre do planeta está descoberta (cerca de 18%) ou coberta por massas de água interiores (cerca de 2%). Os dados incluem todos os tipos de terras. A definição de degradação da FAO vai além do solo e degradação da água. Ela abrange outros aspectos dos ecossistemas afetados, como a perda de biodiversidade.

Grandes extensões de terra em todos os continentes são alvos, com uma incidência particularmente alta ao longo da costa oeste das Américas, na região mediterrânea do sul da Europa e Norte da África, no Sahel, no chamado Chifre da África (no nordeste do continente africano) e em várias partes da Ásia. A maior ameaça é a perda de qualidade do solo, seguido da perda de biodiversidade e do esgotamento dos recursos hídricos.

Atualmente, cerca de 1,6 milhão de hectares dos melhores e mais produtivos solos do mundo são utilizados para o cultivo. Partes destas áreas estão sendo degradadas devido às práticas agrícolas que causam erosão hídrica e eólica, perda de matéria orgânica, compactação do solo superficial, salinização e poluição do solo e perda de nutrientes.

Escassez de água e poluição na nascente

O SOLAW traz ainda detalhes sobre o aumento da escassez de água. A salinização e a poluição das águas subterrâneas aumentaram, assim como a degradação das massas de água e dos ecossistemas relacionados. Grandes massas de água interiores estão sob a pressão de uma combinação de fluxos reduzidos e uma maior sobrecarga de nutrientes – a acumulação excessiva de nitrogênio e fósforo, por exemplo. Muitos rios não desaguam e os pantanais estão desaparecendo.

Nas principais áreas de produção de cereais do mundo, a extração intensiva de águas subterrâneas está secando os reservatórios de água e prejudicando o acesso das comunidades rurais às águas subterrâneas.

O relatório da FAO adverte que “a dependência de muitos sistemas de produção alimentar em relação às águas subterrâneas, o declínio dos níveis freáticos e a extração contínua de água subterrânea não renovável representam um risco crescente para a produção alimentar local e global”.


Extraído do sítio da ONU Brasil


PERDA DE FLORESTAS ACELEROU NO MUNDO, DIZ ONU

Novos dados de satélite publicados pela ONU indicam que a perda de áreas florestais acelerou no mundo, passando de uma perda líquida de 4,1 milhões de hectares anuais na década de 1990 para 6,4 milhões de hectares anuais entre 2000 e 2005.

Área desmatada no Xingu em 2005; conversão de floresta para agricultura
é maior na América do Sul
Novos dados de satélite publicados pela ONU indicam que a perda de áreas florestais acelerou no mundo, passando de uma perda líquida de 4,1 milhões de hectares anuais na década de 1990 para 6,4 milhões de hectares anuais entre 2000 e 2005.

O braço da organização para alimentação e agricultura, FAO, utilizou dados de satélite para avaliar o desmatamento entre 1990 e 2005.

Segundo as novas estimativas, a taxa bruta de desmatamento, ou seja, a conversão de áreas florestais principalmente para uso agrícola, foi em média de 14,5 milhões de hectares nos 15 anos analisados.

A América do Sul liderou a conversão de florestas em áreas agrícolas, seguida pela África.

Entretanto, a ampliação da superfície florestal, seja por expansão natural da floresta ou por programas de reflorestamento, foi maior do que se pensava.

No total, a perda líquida em 15 anos foi de 72,9 milhões de hectares – 32% menos do que a estimativa com a qual a FAO trabalhava, de 107 milhões de hectares.

Os dados colhidos por satélite indicam que em 2005 o mundo possuía 3,69 bilhões de hectares em florestas – cerca de 31% da superfície terrestre do planeta.
Dados precisos

A diferença nos dados colhidos para o relatório deste ano em relação às estimativas passadas se deve à mudança na metodologia de captação: no ano passado, foram compilados dados fornecidos pelos países a partir de uma variedade de fontes.

As variações de um ano para outro ocorreram principalmente nas informações sobre a África, onde muitos governos ainda utilizam dados antigos e desatualizados sobre o desmatamento.

Segundo o porta-voz para assuntos florestais da FAO, Adam Gerrand, a perda de florestas no continente africano foi menor do que se pensava.

A única região do planeta a registrar um aumento líquido de áreas de floresta foi a Ásia, graças a programas de reflorestamento na China e nos países vizinhos.

Para o diretor-geral-assistente para Florestas da organização, Eduardo Rioja-Briales, os dados colhidos com ajuda de satélite oferecem aos países “informação mais acurada em todos os níveis” e evidenciam “a necessidade de parar urgentemente a perda de ecossistemas valiosos”.


Extraído do sítio da BBC Brasil

É PENTÁGONO/OTAN VERSUS BRICS - Pepe Escobar

Diário Liberdade - [Pepe Escobar. Asia Times Online] Poucos prestaram atenção, quando, semana passada, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Victoria Nuland anunciou, em linguagem cifrada, que Washington “deixará de atender a alguns dos dispositivos do Tratado das Forças Militares Convencionais na Europa [ing.Conventional Armed Forces in Europe (CFE) Treaty], no que tenha a ver com Rússia.”[1]

Tradução: Washington deixará de informar a Rússia sobre deslocamentos de sua armada global. A estratégia de “reposicionamento” planetário do Pentágono virou segredo. 

É preciso atualizar algumas informações de fundo. Esse tratado, CFE, foi assinado nos anos 1990 – quando o Pacto de Varsóvia ainda era vigente, e cabia à OTAN defender o ocidente “livre” contra o que então estava sendo pintado como um muito ameaçador Exército Vermelho. 

Na Parte I, esse Tratado CFE estabelecia significativa redução no número de tanques, artilharia pesadíssima, jatos e helicópteros de guerra, e dizia também, aos dois lados, que todos teriam de nunca parar de falar do Tratado CFE. 

A Parte II do Tratado CFE foi assinada em 1999, no mundo pós-URSS. A Rússia transferiu grande parte de seu arsenal para trás dos Montes Urais, e a OTAN nunca parou de avançar diretamente contra as fronteiras russas –, movimento que aberta e descaradamente descumpria a promessa que George Bush ‘Pai’ fizera, pessoalmente, a Mikhail Gorbachev. 

Em 2007, entra Vladimir Putin, que decide suspender a participação da Rússia no Tratado CFE, até que EUA e OTAN ratifiquem a Parte II do CFE. Washington nada fez, nada de nada; e passou quatro anos pensando sobre o que fazer. Agora, decidiu que nem falar falará (“Washington deixará de atender”, etc. etc.). 

Não se metam na Síria 

Moscou sempre soube, há anos, o que o Pentágono quer: Polônia, República Checa, Hungria, Lituânia. Mas o sonho da OTAN é completamente diferente: já delineado num encontro em Lisboa há um ano, o sonho da OTAN é converter o Mediterrâneo em “um lago da OTAN”.[2]

Em Bruxelas, diplomatas da União Europeia confirmam, off the record, que a OTAN discutirá, numa reunião chave no início de dezembro, o que fazer para fixar uma cabeça-de-praia muito próxima da fronteira sul da Rússia, para dali turbinar a desestabilização da Síria.

Para a Rússia, qualquer intervenção ocidental na Síria é caso resolvido de não-e-não-e-não absoluto. A única base naval russa em todo o Mediterrâneo Ocidental está instalada no porto (sírio) de Tartus. 

Não por acaso, a Rússia instalou seu sistema de mísseis de defesa aérea S-300 – dos melhores do mundo, comparável ao Patriot, dos EUA – em Tartus. E é iminente a atualização para sistema ainda mais sofisticado, o S-400. 

Mais importante: pelo menos 20% do complexo industrial militar russo enfrentaria crise profunda, no caso de perder seus assíduos clientes sírios. 

Em resumo, seria suicídio, para a OTAN – para nem falar em Israel – tentar atacar a Síria por mar. A inteligência russa trabalha hoje sobre a hipótese de o ataque vir via Arábia Saudita. E vários outros países também sabem, com riqueza de detalhes, dessa estratégia de “Líbia remix”, da OTAN. 

Vejam o caso, por exemplo, da reunião da semana passada, em Moscou, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)[3]. 

Os BRICS não poderiam ter sido mais claros: esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria; disseram, exatamente que “não se deverá considerar qualquer interferência externa nos negócios da Síria, que não esteja perfeitamente conforme o que determina a Carta das Nações Unidas”.[4]

Os BRICS também condenam as sanções extra contra o Irã (são “contraproducentes”) e qualquer possibilidade de algum ataque. A única solução – para os dois casos, Síria e Irã – é negociações e diálogo. Esqueçam a conversa de um voto da Liga Árabe levar a nova resolução, do Conselho de Segurança da ONU, de “responsabilidade de proteger”, responsibility to protect, R2P. Esqueçam.

O que temos aí é um terremoto geopolítico. A diplomacia russa coordenou, com outros países BRICS, um murro tectônico na mesa: não admitiremos qualquer tipo de nova intervenção dos EUA – seja “humanitária” ou a que for – no Oriente Médio. Agora, é Pentágono/OTAN versus os BRICS. 

Brasil, Índia e China estão acompanhando tão de perto quanto a Rússia, o que a França – sob o comando do neonapolêonico Libertador da Líbia, Nicolas Sarkozy – e a Turquia, os dois países membros da OTAN, estão empenhados e fazer hoje, sem qualquer limite ou contenção, contrabandeando armas e apostando em uma guerra civil na Síria, ao mesmo tempo em que tudo fazem para impedir qualquer tipo de diálogo entre o governo de Asad e a oposição síria, essa, em frangalhos. 

Alerta máximo nos gargalos

Tampouco é segredo dos BRICS que a estratégia de “reposicionamento” do Pentágono implica mal disfarçada tentativa de impor, no longo prazo, uma “negativa de acesso” à marinha chinesa expedicionária [ing. blue-water navy, capaz de operar em alto mar], em acelerada expansão. 

Agora, o “reposicionamento” na África e na Ásia tem a ver, diretamente, com os gargalos. Não surpreende que três dos gargalos mais cruciais do mapa do mundo são questão de alta segurança nacional para a China, em termos do fluxo do suprimento de petróleo. 

O Estreito de Hormuz é gargalo global crucial (por ali passam 16 milhões de barris de petróleo por dia, 17% de todo o petróleo negociado no planeta, mais de 75% do petróleo exportado para a Ásia).

O Estreito de Malacca é elo crucial entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e o Oceano Pacífico, a rota mais curta entre o Golfo Persa e a Ásia, com fluxo de cerca de 14 milhões de barris de petróleo/dia. 

E o Bab el-Mandab, entre o Chifre da África e o Oriente Médio, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, com fluxo de cerca de 4 milhões de barris/dia. 

Thomas Donilon, conselheiro de segurança nacional do governo Obama tem repetido, insistentemente, que os EUA têm de “reequilibrar” a ênfase estratégica – do Oriente Médio, para a Ásia. 

Assim se explica boa parte do movimento de Obama, de mandar Marines para Darwin, no norte da Austrália, movimento já analisado em outro artigo para Al Jazeera[5]. Darwin é cidade bem próxima de outro gargalo – Jolo/Sulu, sudoeste das Filipinas.

O primeiro secretário-geral da OTAN, Lord ‘Pug’ Ismay, cunhou o famoso mantra segundo o qual a aliança Atlântica deveria “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo.” Hoje, o mantra da OTAN parece ser “manter os chineses fora e os russos abaixo”. 

Mas o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [ing. Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida , que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar. 

A doutrina da Dominação de Pleno Espectro implica centenas de bases militares e agora também de sistemas de mísseis de defesa (ainda não testados). O que também implica, crucialmente, a ameaça mãe de todas as ameaças: capacidade para lançar o primeiro ataque.

Pequim, pelo menos por hora, não tomou a expansão do Comando dos EUA na África, Africom, como ataque aos seus interesses comerciais, nem tomou o posicionamento de Marines na Austrália como ato de guerra. 

Mas a Rússia – tanto no caso da expansão dos mísseis de defesa posicionados contra Europa e Turquia, como na atitude de “sem conversas” sobre o Tratado CFE, e posicionada já contra os planos da OTAN para a Síria – está-se tornando bem mais incisiva. 

Esqueçam a conversa de Rússia e China, “competidores estratégicos” dos EUA, serem tímidos na defesa da própria soberania, ou dados a pôr em risco a própria segurança nacional. Alguém aí tem de avisar aqueles generais no Pentágono: Rússia e China não são, não, de modo algum, Iraque e Líbia.

NOTAS
[2] 25/11/2010, Pepe Escobar, “EUA: como criança em loja de doces da OTAN”, em http://redecastorphoto.blogspot.com/2010/11/eua-como-crianca-em-loja-de-doces-da.html
[3] Sobre a mesma reunião e o mesmo Comunicado Conjunto, ver 25/11/2011, MK Bhadrakumar, “BRICS bloqueiam os EUA no Oriente Médio”, emhttp://redecastorphoto.blogspot.com/2011/11/brics-bloqueiam-os-eua-no-oriente-medio.html [NTs].
[5] 22/11/2011, Pepe Escobar, “Obama projects Pacific power”, em http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2011/11/20111121134858987329.html (em inglês).
Tradução do coletivo Vila Vudu

Extraído do sítio do Diário da Liberdade

MILITARIZAÇÃO DO ESPAÇO PODE TORNAR-SE REALIDADE - Andréi Kisliakóv

O ministério da Defesa dos EUA anunciou um novo programa espacial ambicioso destinado a montar uma rede de satélites em volta da Terra. A rede poderá incluir 288 satélites do projeto GPS e satélites de comunicação de órbita baixa (LEO) Iridium.

Colagem: Niyaz Karim

Intenção semelhante foi anunciada pelo diretor do setor de telecomunicações por satélite do programa de modernização russo Skólkovo, Serguêi Jukov. Segundo ele, a Rússia deve estudar a possibilidade de união de diversos sistemas de satélite para a criação de um futuro escudo de satélites.

Mas para que fins serão utilizadas na prática essas constelações de satélites? Em primeiro lugar, evidentemente, para fins militares. Os satélites são o núcleo das forças armadas modernas dos países desenvolvidos, sendo o principal objetivo de uma guerra do futuro não tanto a tomada do território do inimigo, mas a aplicação de golpes exatos contra seus pontos fracos. Isso quer dizer que o exército, reforçado pela cavalaria blindada, poderá deixar de ser relevante no futuro teatro de operações militares.

No conceito de “armas estratégicas”, a ênfase se desloca da clássica “tríade nuclear” aos sistemas de armas convencionais de alta precisão com locais de instalação diferentes. Todavia, seu emprego se torna problemático sem um grande número de elementos de apoio orbital, como satélites de reconhecimento, aviso prévio, previsão, comunicação, navegação e identificação de alvos.

Já em 2004, o especialista-chefe do Centro de Estudos Militares e Estratégicos do Estado-Maior russo, Vladímir Slipchênko, disse, em entrevista ao autor deste artigo: “O principal objetivo dos EUA não é construir um escudo antimíssil nacional, mas ensaiar o uso de sua infraestrutura orbital de informação para a condução de guerras sem contato”.

De acordo com o general, até 2020 o número de armas de alta precisão em posse dos países desenvolvidos poderá chegar a 70 ou 90 mil. Imagine quantos satélites serão necessários para servi-las. Portanto, centenas de satélites, aparentemente inofensivos e que sozinhos não são armas de ataque se tornarão parte integrante dos sistemas de armas de alta precisão, principal meio de combate do século 21.

Por outro lado, os satélites são o “calcanhar de Aquiles” desses sistemas e também poderão ser atacados. Isso cria a possibilidade de agir sobre a capacidade combativa dos sistemas de armas de alta precisão mediante a neutralização das constelações de satélites. Já em plena Guerra Fria, os EUA e a URSS realizavam experiências de combate aos alvos “trans-atmosféricos”, suspendendo-as somente no fim da década de 1980, receosos de que os fragmentos dos objetos destruídos pudessem atingir os satélites militares e outros em operação em órbita. Hoje, a humanidade parece estar voltando à ideia de guerras espaciais.

Em 11 de janeiro de 2007, a China atacou e abateu seu próprio satélite meteorológico. Um ano depois, em 21 de fevereiro de 2008, o cruzador norte-americano Lake Erie, em missão no Pacífico, derrubou com um míssil interceptor um satélite espião dos EUA prestes a cair descontroladamente. Segundo as declarações oficiais dos EUA, o ataque ao satélite se deveu à preocupação com a segurança dos habitantes da Terra. Note-se que o satélite foi atingido a uma altitude de 247 km com um míssil Sm-3, que faz parte dos sistemas de apoio ao futuro escudo antimíssil europeu. Assim, a possibilidade de atingir satélites em órbita realmente existe. Portanto, se existe a possibilidade de destruir alvos no espaço, mais cedo ou mais tarde surgirá a necessidade de colocar no espaço armas para defendê-los. O ex-secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, já declarou que a proteção de seus veículos espaciais é uma prioridade para o ministério da Defesa dos EUA.

Há tempos militares e políticos russos estão preocupados com o problema da eventual militarização do espaço. Na época em que desempenhavas as funções de comandante das Tropas Espaciais da Rússia, o atual presidente da Agência Espacial Russa (Roskosmos), Vladímir Popóvkin, declarou: “Se alguém decidir instalar armas no espaço, teremos que responder à altura para não ficar a ver navios”.

Em 2007, o vice-primeiro-ministro do governo russo, Serguêi Ivanov, mandou construir um escudo único com as funções de defesa aérea, antimíssil e antiespacial e designou como empresa matriz do projeto o consórcio Almaz-Antei. O escudo deve ficar pronto até 2015 e combinar, segundo Ivanov, sistemas de combate e de informação aos sistemas existentes para garantir a defesa antiaérea, antimíssil e antiespacial da Rússia.

É difícil dizer qual caminho tomarão os EUA para defender seus satélites, mas todos nós nos sentiríamos mais seguros se as rampas de lançamento dos mísseis permanecessem em terra.

* Andrêi Kisliakóv - analista da emissora “Voz da Rússia”


Extraído do sítio da Gazeta Russa

OLIMPÍADA FOI PRENÚNCIO DE CRISE GREGA, DIZEM ANALISTAS - Thomas Pappon

A escalada de custos, a falta de controle nas obras e o abandono generalizado do legado físico da Olimpíada de Atenas 2004 foram sinais da tragédia financeira que estaria por vir, a crise de débito grega, na opinião de especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

Encerramento da Olimpíada de Atenas, que teve custo estimado em R$ 21,3 bilhões
A escalada de custos, a falta de controle nas obras e o abandono generalizado do legado físico da Olimpíada de Atenas 2004 foram sinais da tragédia financeira que estaria por vir, a crise de débito grega, na opinião de especialistas ouvidos pela BBC Brasil.

A aventura olímpica de Atenas trouxe prestígio, fez a Grécia reviver – mesmo que por apenas três semanas – a glória e a pompa dos jogos pan-helênicos da Antiguidade e deu uma boa polida na autoestima e no orgulho da população.

Mas ela também expôs sérias falhas de planejamento e organização, levantando dúvidas sobre a capacidade do Estado grego – no início de 2004, antes da expansão da UE, a Grécia era o segundo país mais pobre do bloco em termos de PIB per capita – em lidar com um evento do porte de uma Olimpíada.

"Os Jogos foram determinantes para inflar os números na época", disse à BBC Brasil Marika Frangakis, economista do EuroMemo (Economistas Europeus por uma Política Econômica Alternativa).

Segundo Frangakis, o país já vinha acumulando gastos públicos extraordinários, uma situação que teria se agravado "com as oportunidades de corrupção abertas na distribuição de contratos a grandes corporações".

'Olimpíada mais cara da modernidade'

Hoje, sete anos depois, ainda é difícil precisar o total dos gastos com a Olimpíada de 2004. Em novembro daquele ano, o governo anunciou o custo final como sendo de 8,9 bilhões de euros (R$ 21,3 bilhões) quase o dobro do orçamento inicial e o suficiente para apelidar, na época, Atenas 2004 de os Jogos mais caros da história moderna.

O montante não inclui gastos com obras que vinham sendo planejadas antes, independentemente dos Jogos, mas que foram aceleradas por causa destes, como o novo aeroporto internacional, uma via expressa e linhas de bonde e trem, todas na capital ou arredores.

Segundo dados do Ministério das Finanças grego divulgados em novembro de 2004, dos 8,9 bilhões de euros (R$ 21,3 bilhões) – quase o dobro do gasto dos Jogos anteriores, os de Sydney, de 6,65 bilhões de dólares australianos (R$ 11,8 bilhões) –, 7,2 bilhões vieram do Estado, que disponibilizou a maior parte destes recursos através de um programa de investimentos em infraestrutura semelhante ao PAC brasileiro.

Parte do complexo olímpico de Faliro, em Atenas, está abandonada
O país também teve o azar de estar realizando os primeiros Jogos após os ataques de 11/9 nos Estados Unidos, o que o obrigou a aumentar várias vezes a parcela dedicada à segurança do evento.

"A Olimpíada pôs pressão sobre as finanças públicas", disse à BBC Brasil o economista Vassilis Monastiriotis, da London School of Economics.

"Grande parte dos gastos (do Estado) foi financiada com empréstimos."

"Os Jogos arrecadaram bem menos do que o estimado originalmente. O governo esperava recuperar parte dos custos com a venda ou privatização de instalações olímpicas, mas ele conseguiu levantar apenas uma parte disso, 25% talvez, do esperado", diz Monastiriotis.

Hoje, longe de ter ajudado a revitalizar Atenas, o complexo olímpico de Faliro está abandonado, os dois principais estádios estão fechados e várias outras instalações que sediaram competições estão às moscas, cobertas de mato e grafite.

Deficit e Dívida

A economia grega fechou 2004, segundo a Eurostats, o braço de estatísticas da União Europeia, com um deficit de 7,5% do PIB, o maior entre todos os países do bloco, que tinha sido expandido naquele ano em 10 países para 25. No ano anterior, o deficit grego tinha sido de 5,6% do PIB.

A dívida pública em 2004 subiu para 98,6% do PIB – ou equivalente a cerca de 50 mil euros para cada família no país.

O premiê grego na época, Kostas Karamanlis, se apressou em jogar a culpa pela escalada da dívida sobre o governo anterior, acusando-o de ter "maquiado" suas contas com dívidas criadas "em segredo" e deixando de incluir, no Orçamento previsto para 2004, itens significativos como os gastos em Defesa.

O fato de a Grécia ter trocado de governo poucos meses antes da Olimpíada também não ajudou a dar mais transparência à contabilidade dos Jogos.

Assim como não ajudou o fato de sucessivos governos terem se acomodado em manter os altos níveis de endividamento do país.

Em 2003 o país conseguiu reduzir a dívida pública, mas de 2004 em diante, ela cresceu a cada ano, culminando em 144,9% do PIB em 2010.

"Não há dúvida de que os gastos dos Jogos contribuíram para o tamanho da dívida, mas a acumulação da dívida grega é um processo bem mais amplo", disse à BBC Brasil Spyros Economides, cientista político da London School of Economics.

"Não se trata de uma dívida acumulada por famílias ou indivíduos, em empréstimos, hipotecas ou cartão de crédito. É dívida do Estado, gerada por vários governos perdulários, que pegavam fundos da UE, não para investi-los em infra-estrutura, construções, ou programas de criação de emprego ou suporte agrícola, mas em projetos sociais populistas e políticas clientelistas", disse Economides.

O orçamento da próxima Olimpíada, a de Londres 2012, é de 9,3 bilhões de libras (R$ 25,9 bilhões). A maior parte, 5,9 bilhões de libras (R$ 16,4 bilhões), virá do governo; 2,1 bilhões de libras (R$ 5,8 bilhões) virão da loteria e o resto está previsto para ser levantado junto ao setor privado.

O orçamento dos Jogos no Rio 2016 ainda está sendo revisto. No dossiê da candidatura, ele estava estimado em R$ 28,8 bilhões – R$ 7,5 bilhões a mais do que o custo de Atenas 2004.


Extraído do sítio da BBC Brasil

ARGENTINA É CONSIDERADA EXEMPLO NA LUTA CONTRA A IMPUNIDADE - Cristina Papaleo

Toda uma geração de trabalhadores, estudantes, sindicalistas e intelectuais foi "apagada" do mapa pela ditadura argentina. Hoje, 35 anos depois, o país é considerado um modelo na luta contra a impunidade.

Mães da Praça de Maio, em favor de 30 mil desaparecidos durante a ditadura
Toda uma geração de trabalhadores, estudantes, sindicalistas e intelectuais foi "apagada" do mapa pela ditadura argentina. Hoje, 35 anos depois, o país é considerado um modelo na luta contra a impunidade.

Todo um aparato repressivo, cujos agentes não eram apenas militares, mas também civis, foi responsável por sequestros, torturas e assassinato de 30 mil pessoas, entre as quais grávidas e recém-nascidos na Argentina. A ditadura exercida pela junta militar impôs a censura em todas as expressões da arte, na produção literária, no cinema e na música do país. Dezenas de milhares de argentinos tiveram de se exilar para escapar da morte.

Desde 1983, os governos democráticos têm promovido ações para punir os responsáveis pelo desaparecimento de até 30 mil pessoas, pelo roubo de bens, pela criação de mais de 600 campos de concentração e o perverso plano de sequestro de recém-nascidos das mulheres em cativeiro, depois assassinadas. Os movimentos de direitos humanos e a sociedade civil, com artistas e intelectuais, geraram um amplo debate e uma abertura que levou à busca da verdade. Não fosse isso, a Justiça argentina não teria o êxito que atingiu.

Conscientização contra a impunidade

Ante a recusa das autoridades em dar-lhes uma resposta, em 30 de abril de 1977 um grupo de mães de desaparecidos começou a marchar em silêncio na Praça de Maio, em frente à sede do governo argentino, para questionar o paradeiro de seus filhos.

Os ditadores – e aqueles que negavam seus crimes – as chamaram de "loucas". Esta "loucura" felizmente contagiou outros. Assim nasceu o movimento Mães da Praça de Maio, ao qual se seguiu o das Avós da Praça de Maio, que procuravam seus netos nascidos durante o cativeiro de suas mães. Em 1995, juntou-se a elas o grupo H.I.J.O.S (Filhos pela Identidade e a Justiça, e contra o Esquecimento e o Silêncio, sigla que em espanhol também significa "filhos").

Além de exigir a condenação dos responsáveis pelos crimes, as organizações de direitos humanos na Argentina tentam reconstruir a história recente do país, para a recuperação da identidade em um amplo sentido, incluindo não só a restituição dos filhos desaparecidos às famílias legítimas, mas também um extenso programa integrado ao currículo escolar.

Estela de Carlotto preside
Avós da Praça de Maio
O objetivo é que "crianças e jovens tomem consciência do passado recente de seu país para sensibilizá-los sobre os valores democráticos contra a passividade ante qualquer tentativa de golpe de Estado", explicou Estela Barnes de Carlotto, presidente da associação Avós da Praça de Maio, em conversa com a Deutsche Welle. A luta pelos direitos humanos inclui ainda a produção cultural, a partir da qual compositores, cineastas e escritores oferecem um espaço de reflexão e reconstrução da identidade.

Uma longa jornada

Assim que a democracia foi restaurada na Argentina, em 1983, o então presidente Raúl Alfonsín ordenou a criação da Conadep (Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas), formado por um grupo de cidadãos proeminentes, cujo relatório "Nunca Mais" abriu as portas, em 1985, ao primeiro julgamento das três juntas militares.

Em 1986, no entanto, provavelmente pressionado pela cúpula militar, Alfonsín aprovou a Lei do Ponto Final e a Lei de Obediência Devida, que na realidade eram "leis de impunidade", permitindo a liberdade dos acusados. "Não há obediência devida, e sim obediência de vida" foi a palavra de ordem dos ativistas de direitos humanos na época.

Em 1989-1990, os indultos do então presidente Carlos Menem permitiram que estas leis continuassem em vigor, de forma que a "sociedade argentina vivesse na impunidade por 20 anos", assinalou Carlotto. "É preciso lembrar a convivência dos cidadãos com os assassinos, o que foi uma afronta à democracia em construção", salienta a presidente das Avós da Praça de Maio.

Outro marco importante na busca pelos desaparecidos foi a criação da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), em 1984, por iniciativa das Mães da Praça de Maio. O grupo foi dirigido pelo norte-americano Clyde Snow, que desenvolveu técnicas de exumação de cadáveres em valas comuns e estudos de DNA, logo aplicados em outros países latino-americanos.

Mães da Praça de Maio começaram marcha silenciosa em 1977
O Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS) e a Assembleia Permanente de Direitos Humanos (APDH) argentinos desempenharam – e ainda desempenham – um papel-chave no julgamento de crimes contra a humanidade cometidos durante a ditadura.Também em 1984, foi criado o Banco Nacional de Dados Genéticos, "único no mundo", segundo Estela de Carlotto.

Ele nasceu de uma ideia das Avós da Praça de Maio, a fim de identificar, através do chamado "Índice de Abuelidad" (parentesco de avós), os bebês tomados por militares ou entregues ilegalmente para adoção. Mesmo sem o DNA dos pais, tornou-se possível a identificação dos netos desaparecidos durante a ditadura. O índice é obtido por meio de um estudo imunogenético e permite o registro do mapa genético para casos futuros, quando as avós já tiverem falecido.

Sociedade civil, a chave da democracia argentina

O êxito da Argentina no campo dos direitos humanos se baseia, segundo o advogado criminalista Wolfgang Kaleck, em dois fatores: "Em primeiro lugar, o forte movimento pelos direitos humanos que partiu das Mães da Praça de Maio e, em segundo, o uso estratégico que elas fizeram de instâncias políticas e jurídicas, não apenas locais, mas também internacionais, para denunciar crimes e buscar justiça".

Wolfgang Kaleck
Kaleck é membro do Centro Europeu de Direitos Humanos e Constitucionais e da Coalizão contra a Impunidade, organização que busca esclarecer desaparecimentos de alemães e descendentes de alemães durante a última ditadura na Argentina. Segundo Kaleck, a mobilização das organizações argentinas de direitos humanos no exterior, por exemplo junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, e em tribunais europeus fizeram com que a pressão fosse contínua na Argentina. O trabalho das organizações de direitos humanos e as exigências internacionais são "exemplares em todos os sentidos", afirma o advogado.

Segundo ele, isso levou à abertura de centenas de processos contra militares, policiais e outros responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura. Nos últimos anos, houve quase 200 condenações de, entre outros, altos ex-oficiais militares.

Desde 2003, e também devido aos esforços do governo de Néstor Kirchner e de sua sucessora, Cristina Fernández de Kirchner, os esforços para esclarecer os crimes e resgatar a memória têm sido constantes.

Processamento e reparação

"Das 500 crianças que estimamos terem sido roubadas, já encontramos 105. Elas hoje estão adultas e podem viver sua identidade real", salientou a presidente das Avós da Praça de Maio.

O reconhecimento dado à Argentina na busca pela justiça para os crimes da ditadura se deve, segundo Estela de Carlotto, "ao trabalho do povo junto ao Estado para transformar cada centro de detenção clandestino em memorial, para legislar de forma a acabar com a impunidade, rejeitando as leis declaradas inconstitucionais, para restituir economicamente netos e vítimas em todos os sentidos, seja com moradias ou com subsídios".

Muito que fazer

Segundo Wolfgang Kaleck, o processamento legal dos crimes da ditadura na Argentina poderia ser acelerado se houvesse mais funcionários e salas de audiência. "Há melhorias que estão nas mãos dos políticos. Para acelerar os julgamentos, seria preciso mudar as regras que regem a ordem processual", sugere Kaleck.

Ele lembra que também deve ser responsabilizado quem colaborou com a ditadura, seja da sociedade civil ou do setor econômico. "Por exemplo, empresas alemãs. Uma delas é a Mercedes, em que desapareceram 16 sindicalistas, e a outra é Azúcar Ledesma, que também pactuou com os militares. Ambas as investigações estão em fase inicial, naturalmente devido às considerações políticas frente às empresas, que são muito poderosas", observa o advogado.

Entre as questões pendentes estão também desaparecimentos (como o da testemunha de acusação Julio López, em 2006), e casos de violência policial, cujas vítimas foram, em sua maioria, jovens de classe baixa e minorias marginalizadas.

Em 1992, foram criadas a Comissão de Familiares de Vítimas Indefesas da Violência Social (Cofavi), a Coordenadoria contra a Repressão Institucional e Policial (Correpi), e a Unidade Familiar e Vítimas contra Impunidade (Ufavici). Segundo a Correpi, entre 1983 e 1997, foram relatados 400 casos de pessoas assassinadas por forças de segurança.

Extraído do sítio da Deutsche Welle